terça-feira, 2 de setembro de 2014

YOGA E SAÚDE INTEGRAL


Texto de
Swami Niranjanananda Saraswati
Aix-les-Bains, França, Abril 1997

Doença é o resultado de problemas não resolvidos. Quando nós não somos capazes de resolver os problemas que enfrentamos, sejam eles ambientais, sociais, pessoais ou familiares, o efeito se manifesta na forma de doenças. Nós também podemos dizer que o paciente não é vítima de um ato da natureza, um estilo de vida insalubre ou poluído, mas um sofredor por causa de problemas não resolvidos.

Nós temos que aprender como lidar com esses problemas nos vários níveis de nossa personalidade. Não é suficiente dizer “Ok, eu estou sofrendo de problemas de saúde, eu estou sofrendo de uma doença e eu tenho que trata-la fisicamente e psicologicamente”. Seres humanos estão todos sujeitos às influencias das circunstancias, eventos e meio ambiente e, por conseguinte, nós também precisamos desenvolver uma consciência de como interagir com e reagir às situações.

Um importante ponto a ser considerado é que cada um de nós está continuamente reagindo; não há nunca uma ação espontânea ou razoável. Nós reagimos a pessoas, ao que elas dizem, nós reagimos ao prazer, à dor e ao sofrimento. Toda nossa vida vai de um estágio para outro através de um processo de reação; não há ações espontâneas ou originais na vida. Estes eventos e condições devem ser interpretados para se entender seu significado. Apenas quando nós podemos interpretar uma situação apropriadamente é que vamos entender o significado por detrás dela. Isto é importante de ser lembrado, pois é através deste ponto que começamos o processo de realinhamento de nosso corpo com nossa natureza, mente e consciência. Isto é o começo, podemos dizer, do primeiro passo em direção à obtenção da saúde integral.

Yoga diz que há duas coisas na vida – forma e conteúdo. Para dar um exemplo: o corpo é uma forma, mas dentro do corpo há também um conteúdo, ou melhor, muitos conteúdos diferentes – emoções, racionalidade, lógica, pensamentos, ambições, desejos, sentimentos. Estes são os conteúdos que nós experenciamos na forma do corpo, mas nós os vimos como experiências, como condições, como eventos que continuamente mudam nossa percepção, atitude e visão.

Você tem que se lembrar de que é o conteúdo da forma física que tem que ser harmonizado para experenciar saúde, felicidade e completude. Um pintor é um bom exemplo. Um pintor usa uma tela onde cria uma imagem ou retrato. O retrato é o resultado final do conceito inerente ou imagem na mente do pintor. A tela e a pintura são apenas o meio através do qual uma expressão é dada para a imagem já existente na mente do pintor.

Corpo, mente e consciência


Da mesma forma, há uma ligação entre o corpo – eu estou usando “corpo” no sentido amplo, significando a personalidade humana que é manifesta no presente na nossa vida – e a consciência, que é invisível, não manifesta e sutil. Consciência é manifestada através do corpo. Nós podemos imaginar a consciência na forma de ondas de rádio e o corpo na forma de um rádio. Quando o corpo está em sintonia com a consciência, as projeções da consciência no corpo serão harmoniosas. Quando o corpo não está em sintonia com a consciência, os sinais nunca poderão ser ouvidos ou vistos. Deve haver uma sintonia entre o corpo, a personalidade que é manifesta, e a consciência, que é não manifesta.


Por exemplo, nós temos diferentes canais na televisão. Se nós queremos assistir um canal, nós temos que mudar para aquele canal; se quisermos assistir outro canal, teremos que mudar de novo. Imagine, por um momento, o que aconteceria se todos os canais fossem vistos juntos num só canal. Seria muito difícil decifrar o que estaria aparecendo na tela. Não haveria nenhuma sintonia e todas as imagens e frequências estariam vindo através de um canal. Não haveria clareza. Haveria uma mistura de imagens sem significado, uma mistura de sons sem significado e uma mistura de impressões sem significado. É similar ao que acontece quando a nossa consciência interage com o corpo numa forma muito conturbada, distraída e dissipada.

Nós temos que fazer um esforço para sintonizar cada frequência apropriadamente com um canal diferente. Uma vez sintonizados, as imagens e sons serão perfeitamente claros e apurados e nós podemos olhar, entender e dar um significado a eles. Então, quando a consciência está se manifestando no nosso corpo e não está sintonizada apropriadamente, o corpo irá reagir. Isto é o começo de uma doença. Estou dizendo isto para enfatizar que doença não é uma condição física, mas um estado de desarmonia entre nossa natureza sutil e nossa natureza bruta; é um estado de desequilíbrio entre a consciência e o corpo.

Portanto, Yoga diz que se você quer experenciar saúde ou bem-estar, você deve abordar sua natureza de diferentes ângulos. Nós trabalhamos nosso corpo, mas ao mesmo tempo temos que trabalhar nossa mente assim como com as expressões de consciência que estão se refletindo na mente e no corpo.

Intelecto, emoções e instintos

Consciência tem três principais áreas de expressão: intelectual, emocional e instintiva. A primeira expressão é intelectual representando a cabeça: entendimento, racionalidade, análise de uma situação, condição ou evento e vivendo harmoniosamente com o aspecto intelectual da consciência. A segunda expressão é a emocional: o coração, sentimentos, sensibilidade emocional. Quando seu coração está em desarmonia, haverá uma supressão de emoções e sentimento. Esta supressão não é natural ao estado normal do corpo e da mente e quando a supressão ocorre, vamos sofrer. Então a liberação dos bloqueios do centro cardíaco leva à saúde. A terceira expressão é a instintiva. Nós nos reagimos instintivamente a muitas condições na vida.


O conceito de Chakras no Kundalini Yoga (filosofia que trata do despertar da energia potencial e da consciência inerente dentro do corpo e da mente humana) dá uma indicação de como Yoga vê estas três expressões da consciência nas nossas vidas e corpos. Chakras são centros no nosso corpo onde a consciência se manifesta de uma forma particular e onde a energia se manifesta de uma forma particular. No nosso corpo há sete centros psíquicos ou Chakras.



O primeiro é Mooladhara na base da coluna vertebral, no plexo coccígeo; o segundo é Swadhisana, conhecido como o centro sacral; e o terceiro é Manipura, conhecido como plexo solar, atrás do umbigo na coluna vertebral. Estes primeiros três Chakras representam a dimensão instintiva de nossa personalidade: medo, insegurança, sexualidade, vitalidade, motivação e poder. O quarto Chakras, Anahata, conhecido como centro cardíaco, e o quinto Chakras, Vishuddhi, conhecido como centro da garganta, representam o aspecto emocional da natureza humana – sentimentos. O sexto Chakras, Ajna, conhecido como o centro da sobrancelha, representa a mente superior.


Imagem: BSY

Se você olha para esta descrição dos Chakras, você verá um padrão muito interessante emergindo. Os primeiros três centros lidam com o instinto, os dois do meio lidam com as emoções e o superior lida com a mente – um total de seis centros. O centro mais elevado, Sahasrara, sobre a coroa da cabeça, é o centro de comando de todos estes diferentes centros de consciência e energia.

A concentração mais densa de consciência mudando, alterando, direcionando, guiando e afetando nossa natureza psíquica está no nível mais baixo, onde os primeiros três centros estão ativos. Na área do meio, onde a consciência interage no domínio das emoções e sentimentos, nós temos dois centros e a intensidade da consciência interagindo neste nível é menor. No nível mais alto, nós temos apenas um centro e a intensidade de consciência interagindo com a mente superior é muito pequena.

Agora isto vai ligeiramente contra a crença normal de que nós somos intelectuais. Nós somos intelectuais, não há dúvida. Nós desenvolvemos nossas ciências e crenças para uma grande extensão, mas mesmo este desenvolvimento de conhecimento na sociedade e no mundo não é a indicação final de conhecimento que se reflete da consciência na nossa vida. Muitas pessoas dizem que hoje nós trabalhamos com nossas cabeças. Nós pensamos que nós temos acesso à informação e a muitas coisas diferentes através das quais nós podemos melhorar nossas vidas. Mas todo nosso conhecimento e entendimento, embora isto possa ser lógico, preciso e claro, está associado, conectado e ligado com os três primeiros centros, que são instintivos. Você também poderá notar que todas nossas realizações na vida têm sido em busca de preenchimento, satisfação e prazer.

A ciência moderna tem manipulado a natureza para fazer nossas vidas mais confortáveis e prazerosas, e para nos dar a sensação de satisfação, alegria e felicidade. Esta busca por satisfação e segurança é expressão da consciência nos centros mais baixos.

Necessidade de equilíbrio


Nós temos ignorados o aspecto mediano de sentimentos e emoções, achando que a racionalidade está acima deles. Nos primeiros tempos, pensadores disseram que cada expressão na vida vinha da cabeça significando o centro maior. Depois, pensadores disseram que cada expressão na vida vinha do centro cardíaco; que o que nós sentimos e acreditamos determina como nós agimos e vivemos. Mais recentemente, com o desenvolvimento da psicoterapia, Freud e outros célebres psicanalistas disseram que tudo o que acontece conosco vem dos centros mais baixos. Quando Einstein entrou em cena, ele disse que tudo é relativo. O ponto a ser considerado aqui é que nós precisamos achar um equilíbrio entre nossa natureza instintiva, emocional e intelectual. Uma vez que um equilíbrio é encontrado entre estas três diferentes naturezas, então a transmissão da consciência no corpo será mais harmoniosa, equilibrada e integrada.

O corpo é parte da consciência manifestada externamente. É uma unidade da consciência cósmica e universal. O corpo não contém consciência, ao contrário, é a consciência que se expressa através do corpo nesses diferentes níveis. Portanto, eu poderia dizer que o corpo nunca está doente ou saudável. O corpo está simplesmente respondendo ao que é deflagrado do nível mais alto, da consciência. Se o que está vindo do centro da cabeça está distorcido, nós teremos dor-de-cabeça; se o que está vindo dos centros medianos está distorcido nós ficaremos melancólicos; e se o que está vindo do alto para os centros mais baixos está distorcido, nós passamos por muita frustração, agressividade, supressão, ansiedade, medo e insegurança. São estes estados mentais que mais tarde alteram e influenciam a performance do corpo e se manifestam na forma de enfermidades.

Pratyahara – terapêutica da consciência

Como o Yoga tenta limpar a passagem de transmissão, a transmissão de consciência pelo corpo? Asana (posição psicofísica do Yoga), Pranayama (práticas respiratórias para expandir e controlar a energia vital ou Prana) e técnicas de relaxamento são usados para induzir diferentes estados de flexibilidade, conforto e bem-estar nos sistemas físico, muscular, endócrino e respiratório. Mas a terapêutica não para aí; a terapêutica também continua no nível sutil.

A melhor forma de terapêutica é a de consciência, que limpa as transmissões e canais através dos quais a consciência se transmite na dimensão física. Uma indicação da terapêutica da consciência é vista nas práticas de Pratyahara. Pratyahara é o quinto estágio de Raja Yoga (Yoga do despertar da consciência psíquica através da meditação), e o começo da introspecção, da reflexão, de experienciar o silêncio, de ir para dentro e achar estabilidade, achar foco. Pratyahara é também dividido em diferentes estágios.

Como nos tornamos conscientes de algo que está acontecendo internamente, numa dimensão sutil, no nível da consciência? Se o fruto está no galho mais alto da árvore, nós temos que começar subindo do nível mais baixo para alcança-lo. Essa escalada dos níveis mais baixos para os mais altos começa com a consciência dos sentidos. Há uma extensão de consciência nas percepções sensoriais para se saber como elas estão afetando e alterando a mente e a consciência. Então, primeiro, há uma extensão da consciência nos sentidos e então, após nos entendermos exatamente o que está se sucedendo no nível dos sentidos, há uma focalização da consciência.

O segundo estágio de Pratyahara é uma elevação da consciência na mente, para saber como ela está interagindo com as situações, condições e eventos que influenciam nossa vida, e então há uma focalização desta consciência. O terceiro estágio de Pratyahara é a elevação da consciência na dimensão emocional, para entender a natureza das nossas emoções, sentimentos e sensibilidade e então a focalização desta consciência. O quarto estágio de Pratyahara é a extensão da consciência na dimensão instintiva e então, novamente, a focalização desta consciência. É assim que gradualmente nos treinamos para observar e analisar como nós estamos respondendo e reagindo a diferentes situações e criamos um desequilíbrio na nossa personalidade.

Depois que nós temos observado a interação da nossa consciência com os sentidos, com o aspecto intelectual, com o aspecto emocional e com o aspecto instintivo, nós passamos para o próximo estágio de introspecção, que é conhecido como Dharana. Dharana é manter a consciência estável e nos identificar com um estado de consciência tranquilo. Quando nós somos capazes de nos identificar com um estado de consciência tranquilo, então a meditação, Dhyana, começa.

Rumo à saúde integral


Então, este processo de auto-observação, ou auto-entendimento, conduz a experiência de uma saúde ideal e de bem-estar. A terapia do Yoga não se destina a remover os sintomas dos quais temos consciência; a terapia do Yoga não é um método para tratar de uma indisposição ou de uma doença. Pelo contrário, é um método de tratar a pessoa que está sofrendo uma condição, deixando-a consciente da sua personalidade e de como a personalidade está interagindo com o mundo, no nível externo, e com a consciência, no nível sutil.

Quando nos tornamos capazes de fazer isto, nós descobrimos que nossos hábitos mudam e que nosso estilo de vida muda. Nós descobrimos que nossas atitudes, perspectivas e visões mudam a há um sentimento de completude e inteireza. Com este sentimento de inteireza, a jornada do Yoga começa. É com este senso de inteireza que avançamos para experienciar nossa vida desenvolvendo, crescendo e evoluindo.

Yoga nos dá muitas dicas e ideias de como nós podemos controlar nossas vidas. Depende de nós aplicarmos estas ideias e nos tornar conscientes dessas dicas para melhorar a qualidade de nosso corpo, mente e interações. Uma vez que nós podemos melhorar a qualidade da mente e do corpo, isto é saúde integral.

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